O
embraquecimento histórico do Egito Antigo
Publicado
há 6 dias - em 11 de abril de 2016 » Atualizado às 17:36
Categoria » África e sua diáspora
Categoria » África e sua diáspora
O poder e construção de memória coletiva dos
veículos de massa é incalculável. Os textos, falas e sobretudo as imagens
produzidas pela máquina midiática capitalista ocidental literalmente
construíram toda a percepção de mundo do sujeito contemporâneo. Por isso países
como os Estados Unidos da América dão tanta importância e poder aos grupos
midiáticos. A imprensa e a indústria do entretenimento (não que hoje em dia
ainda haja algum tipo de diferença entre as duas) é conhecida como o terceiro
poder. Mas que essa ordem não seja entendida como de grandeza ou influência.
Não raro o poder da mídia extrapola a legalidade dos poderes democráticos.
Por
Aline Couri Do História das Artes Visuais
O problema que intentamos em
tratar passa por um dos pontos mais sensíveis da historiografia: A percepção
história como uma construção contemporânea. O trabalho de um historiador é,
entre tantas outras funções, criar narrativas que representem a visão de um
povo em determinada época sobre determinado acontecimento, objeto, ou sociedade
de outra época e local. Mas esse recorte essencial é, na maioria das vezes,
ocultado pela própria narrativa historiográfica e tende a se colocar como
verdade. Isso no campo da pesquisa acadêmica. No campo da mídia a questão é
ainda mais grave. A indústria do Cinema norte americana produziu em um século
mais distorção na percepção histórica do ocidente do que toda a escrita
etnocêntrica dos quinze séculos anteriores. E tudo isso sob a chancela de
“produto de entretenimento”.
Na lógica da dominação cultural,
é importante que a cultura que se impõe elimine a possibilidade de resistência
do outro eliminando tudo que possa ilustrar sua visão de mundo, sistema social
e, mesmo sua identidade.
O caso do povo egípcio, nosso
objeto de estudo, é um dos maiores exemplos desse processo de apagamento e
falseamento da existência histórica de toda uma sociedade. Sendo impossível
negar a existência do povo egípcio e sua sociedade extremante complexa e rica
tecnologicamente, resta roubar suas descobertas e fazer com que a imagem que se
tem deles não seja tão diferente da imagem que os europeus (desde os romanos)
tinham de si mesmos.
Foram os antigos egípcios que inventaram,
entre milhares de outras maravilhas tecnológicas, uma das primeiras mídias
portáteis do mundo, o papiro. Não por caso Alexandria tinha uma das maiores
bibliotecas do mundo antigo – destruída num incêndio que até hoje geram
controvérsia entre os historiadores, mas cuja versão mais popular da narrativa
diz ter sido proporcional, logo pós a conquista da cidade pelos árabes em 642
d.c. Mas os livros de história ocidentais nos dizem que Calímaco, um grego, foi
o responsável por criar o primeiro sistema de catalogação de arquivos, muito
similar ao adotado por Roma e por todo o ocidente moderno. Esse sistema, na
realidade, é apenas uma adaptação do que era usado na biblioteca de Alexandria,
cidade visitada por Calímaco.
A imagem do Egito
antigo que temos no senso comum do ocidente contemporâneo é tão artificial que
uma criança dificilmente associa o Egito ao seu continente, a África. Aliás,
que eu me lembre de colégio, a história do Egito é ensinada em separado da
história do resto da África (quando essa é ensinada).
O povo do Egito antigo era negro.
Diversos textos antigos (gregos e árabes) assim os relatam. Na historiografia
moderna porém, esses textos são ignorados. O processo de construção de uma
imagem eurométrica do povo egípcio se dá de forma maquínica: Os relatos
históricos apagam as menções à negritude dos egípcios; a arte, a literatura e a
mídia ocidentalizam sua imagem (embranquecem a pele e normativizam suas
relações sociais pelo padrão europeu); sua existência enquanto povo é
dissociada da África.
O EGITO
NEGRO
Cheikh Anta Diop (1923 – 1986),
historiador, filósofo, antropólogo e político senegalês, foi o principal
responsável por trazer a discussão da origem da raça e da civilização egípcias.
Seu livro Nations nègres et culture: De l’antiquité nègre égyptienne aux
problèmes culturels de l’Afrique Noire d’aujourd’hui (Nações negras e
cultura: Da antiguidade negra egípcia aos problemas culturais da África negra
de hoje, em tradução livre) publicado em 1954 e ainda sem tradução completa
para o português, o autor argumenta, com base em diversos textos antigos (de
autores bíblicos a documentos gregos), obras de arte egípcias de diversos
períodos, análises comparativas (totemismo, circuncisão, realeza, cosmogonia,
organização social, matriarcado – cada item em um capítulo), argumentos
linguísticos (como, por exemplo, a existência de um termo próprio pelo qual o
povo egípcio se representava, KMT, que significaria preto/do carvão), e estudos
históricos e antropológicos sobre o povoamento da África a partir do vale do
Nilo. Essa discussão ocupa todo a primeira parte do livro e não deixa dúvidas
sobre a negritude do povo egípcio. Mas, mesmo sendo parte da coleção História
Geral da África, o trabalho de Cheikh é academicamente sabotado em quase todo o
mundo, como acontece com vários autores negros e terceiro-mundistas.
Cheikh já inicia seu texto com o
argumento base de sua defesa da negritude do povo egípcio. Com base nas
descobertas mais atuais da antropologia física nos anos 1950, o autor
argumenta:
Portanto, se a humanidade teve
origem nos trópicos, em tomo da latitude dos Grandes Lagos, ela certamente
apresentava, no início, pigmentação escura, e foi pela diferenciação em outros
climas que a matriz original se dividiu, mais tarde, em diferentes raças;
havia apenas duas rotas através das quais esses primeiros homens poderiam
se deslocar, indo povoar os outros continentes: o Saara e o vale do Nilo.”
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