"A
escola não é um edifício, são as pessoas", diz idealizador da Escola da
Ponte
09/04/2016 14h50
- Brasília
Mariana
Tokarnia – Repórter da Agência Brasil
A aprendizagem não depende de
edifício, salas de aula, quadro ou giz. Não precisa sequer de aulas no modelo
tradicional. A escola é feita de pessoas e é nessas pessoas que todo o sistema
de educação deve focar. Este conceito educacional, que mais parece utopia, vem
sendo colocado em prática em escolas no Brasil e no restante do mundo. O
professor José Francisco de Almeida Pacheco é um dos que mostrou que é possível
educar de maneira inovadora e inclusive melhorar indicadores educacionais com
esses métodos.
Ele é o idealizador da chamada Escola da Ponte, em Portugal, um projeto
educacional que tem como base uma escola sem séries, sem prova e focada na
autonomia e protagonismo do aluno. Pacheco é português, mas acredita que é do
Brasil que partirão as ideias que poderão transformar a educação no mundo.
Atualmente, mora em Brasília e
integra um grupo de trabalho do Ministério da Educação (MEC) para mapear
escolas inovadoras. O grupo chegou a 178 escolas no país, entre
estabelecimentos das redes pública e privada. Ele conversou com a Agência
Brasil sobre suas principais ideias e sobre os rumos da educação no país.
Segundo ele, o Brasil tem tudo que precisa para oferecer uma educação de
qualidade. No entanto, é preciso que as escolas tenham autonomia. “Enquanto não
houver escolas autônomas, é uma ilusão pensar que as coisas vão melhorar”.
Lei a
seguir os principais trechos da entrevista:
Agência Brasil: O que é
necessário para se ter uma educação de qualidade?
José Pacheco: O que é
preciso é acesso à informação e um mediador chamado professor. Quando falamos
em escola pensamos no edifício, a escola não é um edifício, a escola são as
pessoas. O que uma criança em idade escolar aprende dentro do edifício da
escola que não pode aprender fora dela? Não perca muito tempo pensando. Nada.
No Brasil, o [antropólogo e educador] Tião Rocha fez uma escola
debaixo de uma mangueira, que nem edifício tem. Há cursos a distância, que nem
edifício têm. Então, por que temos que pensar que todos têm que ir para lá?
Pior do que isso, em muitas áreas rurais fecham-se escolas e os alunos
levantam-se às 4h da manhã, com sono, para entrar no ônibus, para andar três
hpras, por caminho de terra, para receber quatro horas de aula e voltar. A
fortuna que se gasta em compra, com manutenção, combustível, seguro,
pagamento ao motorista, etc, as vezes leva quase metade do orçamento da
educação.
Agência Brasil: Como
deve ser formado esse professor?
Pacheco: É um
professor como qualquer outro, feito com a mesma matéria, com a mesma formação,
mas que em determinado momento da vida quer ser honesto consigo mesmo, ser
ético. Se o professor dá aula e percebe que não está ensinando a todos, não
pode continuar fazendo aquilo porque está excluindo, negando um direito. Se um
professor diz: “Mas eu não sei trabalhar com este aluno”. Se não sabe, vai
aprender. Os professores chegam da universidade cheios de Vygotsky [Lev S.
Vygotsky], Piaget [Jean Piaget] e não sabem fazer mais do que dar aula. E dar
aula é contrário ao que se lê na teoria. Quem lê Vygotsky não pode continuar
dando aula. O professor forma-se através da sua própria prática com os outros,
transforma-se com os outros, a profissão de professor não é um ato solitário,
tem que ser um ato solidário. O professor sozinho em sala de aula era coisa do
século 19, das salas de aula dos conventos, da Revolução Industrial. E esse
professor merece ter um bom salário, e pode ter, voltando à questão anterior. O
dinheiro que hoje é gasto com educação chega e sobra para pagar bem os
professores.
Agência Brasil: Isso
falando no nosso orçamento atual?
Pacheco: Sim,
cerca de R$ 100 bilhões.
Agência Brasil: E qual
o papel da universidade?
Pacheco: O que a
universidade tem que perceber é que o modelo de ensino faliu. Há muito tempo.
Quando ela reproduz esse modelo, ela está sendo a matriz do que é a escola. A
universidade parou no tempo. Estou falando do curso de pedagogia, de formar
professores. Quando eu fui professor de pedagogia, o que eu encontrei foram
professores que estavam mal. Eu perguntava: "por que dão aula?" Eles
não sabiam, mas diziam que eram obrigados a dar aulas. "Mas obrigados por
quem?" "Mandam que eu ponha no sumário o que eu vou dar no semestre”.
E eu dizia: "mas com pode ser? Não sabem que, pela teoria, dar aula é
inútil? Então por que dão aula?" "Damos porque nos obrigam". É
esquizofrenia total. Eu compreendo os professores universitários, por isso que
eu fui embora e não voltei mais. Mas acompanho as universidades, trabalho com
universidades e respeito o trabalho que eles fazem. Há universidades no Brasil
que já não têm aula nem turma.
Agência Brasil: A
Escola da Ponte foi criada em uma área de maior vulnerabilidade, voltada para
aqueles tidos como os piores alunos. Que diferença faz dedicar os melhores
projetos para estudantes em situação de maior vulnerabilidade?
Pacheco: Essa
nomeclatura de melhores e piores existe na escola tradicional, porque na escola
dita renovada, transformada, todos são melhores, cada um no seu momento, cada
um segundo seus valores. Quando se fala em educação no campo, educação
especial, educação de adultos, educação formal, informal, eu me pergunto: "por
que se fala assim? Por que não se fala só em educação?" Se as escolas
desenvolvessem um trabalho em que cada um fosse acolhido e no qual fosse dada a
condição de aprender, não seria preciso falar de programas, projetos e planos.
A escola cumpriria seu projeto político-pedagógico. Um dos problemas é esse,
que a escola não cumpre seu projeto político-pedagógico e, como não cumpre,
continua a dar aula e a ter turma. Há crianças que não aprendem.
Agência Brasil:
Atualmente, quando há uma troca política, há grandes impactos na educação. Como
as escolas podem ser menos afetadas pelas decisões governamentais?
Pacheco: A meta
19 [do Plano Nacional de Educação
- lei que define metas para melhorar a eduação em dez anos] estabelece que
municípios, estados e o Distrito Federal deverão criar condições para o
excercício da autonomia e condições de gestão democrática nas escolas. Se isso
for concretizado, se forem alcançados os termos de autonomia das escolas, elas
vão usar da autonomia pedagógica, administrativa, financeira. Mesmo que haja
mudança da orientação politica, da prefeitura, as escolas continuarão, com toda
calma, a desenvolver seu projeto. Enquanto não houver escolas autônomas, é uma
ilusão pensar que as coisas vão melhorar.
Agência Brasil: Como o
senhor vê a educação no Brasil?
Pacheco: Quando
se fala da educação no Brasil, fala-se dos defeitos, das cifras, das pesquisas,
do Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], que são efetivamente
trágicos. Eu prefiro falar da parte saudável do Brasil. Prefiro ver o copo meio
cheio e não meio vazio. Fico muito feliz por aprender com escolas brasileiras,
com autores brasileiros, que estão transformando o Brasil, sem que o Brasil
perceba. Pessoas que vão colaborando com as secretarias de educação, com o MEC,
muitas vezes tendo contra si as secretarias e os burocratas do MEC. Vivo muito
nessas escolas onde eu aprendo com professores que eu me orgulho de acompanhar
e que sabem que é no Brasil que está nascendo a nova educação do mundo. Não é
na Europa, não é nos Estados Unidos. Eu diria que, além dessa parte educacional
que põe professores doentes e alunos que não aprendem, há a parte saudável, uma
grande parte que eu conheço, outra que eu não conheço. Elas mostram que o
Brasil tem tudo que precisa: bons teórios, bons projetos, bons professores. Só
falta fazer. E falta que as universidades percebam que há esses projetos, que o
MEC crie condições e que as secretarias celebrem termos de autonomia da escola.
O resto é só deixar com a formação dos professores e com a comunidade.
Edição: Denise
Griesinger
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