“Uma injustiça histórica”: o impeachment de
Dilma Rousseff na imprensa alemã
Date: 01/09/2016
in: Em Pauta
Destituição da presidente
brasileira tem base legal criticada por jornais e revistas alemães, que também
reconhecem falhas da petista. Sede de poder de Temer e possível efeito positivo
para Lula também são tema.
Do DW
A cassação
do mandato da presidente Dilma Rousseff, como conclusão de um processo que
durou nove meses, repercutiu na imprensa alemã nestas quarta e quinta-feiras
(01/09). Os mais importantes jornais e revistas do país questionaram a
legitimidade do impeachment, classificado-o com um processo
com motivação política. Ao mesmo tempo, destacaram a inabilidade política de
Dilma.
Michel
Temer, que governará o país até 2018, foi apontado como alguém que nunca teria
ganhado uma eleição. Além do peemedebista, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva foi apontado como um possível beneficiado do impeachment.
Golpe ou não?
“A palavra
golpe tem um grande peso na América Latina”, afirma o influente portal Spiegel
Online, apontando que o conceito é associado a generais e tanques nas ruas.
“Mas como se deve chamar o processo em que uma chefe de Estado democraticamente
eleita é afastada de seu cargo com uma justificativa legal duvidosa?” O veículo
qualificou o processo de “farsa”, formalmente correto, mas com base legal
frágil.
Segundo o
portal, houve um abuso da cláusula do impeachment – destinada a proteger o país
de crimes no mais alto cargo de Estado – para afastar uma presidente
“desagradável”. “O Senado brasileiro representa uma classe política que é mais
velha que a democracia. Ela se baseia em dinastias que por décadas governaram
estados como se fossem seus reinos. A maioria dos Senadores representa um
sistema que nunca aceitou a ex-guerrilheira Dilma”, pontua o Spiegel
Online, e complementa: “Não é preciso ser um apoiador de Dilma, de
Lula ou do PT para constatar: essa mulher foi vítima de uma injustiça
histórica.”
Para o Zeit
Online, recorreu-se ao procedimento de impeachment previsto na
Constituição, mas em vez dos previstos graves abusos foram usadas “sutilezas
jurídicas” envolvendo a manipulação de números do orçamento. “Então, todos
agiram como se isso fosse a pior coisa do mundo. […] Na realidade, tratou-se de
poder e política – e se vemos isso dessa maneira, todo o processo, apesar de
cumpridas as formalidades, é uma violação da Constituição.”
Falhas como presidente
Apesar de
questionar a legitimidade do impeachment, alguns veículos alemães também
reconheceram que Dilma falhou. “Com uma política econômica fracassada e sua
maneira autoritária e muitas vezes brusca, ela contribuiu para sua queda”,
afirma oSpiegel Online. O portal aponta que Dilma não é a única
responsável pela crise econômica, mas acobertou a verdadeira dimensão da crise
durante a campanha eleitoral e reagiu tarde demais. “Assim ela perdeu o apoio
da classe média.”
O portal Tagesschau também
reconhece que o afastamento definitivo de Dilma não foi apenas consequência da
sede de poder de Temer, mas também das falhas políticas da petista. O veículo
aponta que Dilma não envolvia seus aliados nas decisões e muitas vezes
permanecia inacessível durante meses. “Não foi, portanto, somente sua política,
mas sobretudo seu estilo de governar que fortaleceu seus adversários.”
Temer: “sedento de poder,
astuto e vaidoso”
A imprensa
alemã fez duras críticas a Temer, classificado como alguém que nunca teria
chance de ganhar uma eleição. “E ele nem poderia tentar: por doações eleitorais
ilícitas ele não pode se candidatar”, aponta o portal Tagesschau,
acrescentando que grande parte do governo de Temer está envolvida em corrupção
“até o pescoço”.
“E não
combina nada com o Brasil moderno que alguém convoque apenas velhos homens
brancos para seu gabinete”, diz o veículo, que classifica o peemedebista como
“sedento de poder, astuto e vaidoso”. “Temer é tão impopular no país quanto
Dilma”, completa o Spiegel Online.
Ao
contrário de Dilma, Temer fala a língua e joga o jogo dos senadores em
Brasília, aponta o Die Zeit. “Ele conduz agora um governo que opera
de maneira exatamente oposta àquilo que o povo escolheu ao eleger Dilma”, diz.
“Até 2018, o Brasil terá que conviver com um governo que ninguém elegeu e que
chegou ao poder de maneira altamente duvidosa. A democracia brasileira
mergulhas numa crise de confiança da qual vai demorar a se recuperar”, afirma o
jornalista.
Lula como beneficiado
Nos
últimos tempos, Dilma não contava nem mesmo com o apoio do PT, aponta o Frankfurter
Allgemeine Zeitung, pois o partido já mira na eleição presidencial de 2018,
“a qual pretende vencer com o ainda popular Lula”.
Para o Sueddeutsche
Zeitung, o impeachment de Dilma tem como vencedor não apenas Temer, mas
também o ex-presidente Lula, ainda que por ora ele pareça ser o maior perdedor
com o afastamento de Dilma, com o qual a era do PT chega ao fim, aponta o
diário de Munique.
O jornal
também aponta que o sonho vendido pelo PT de um Estado próspero, motor do
crescimento do Hemisfério Sul, se acabou faz tempo e que, justamente os que
chegaram ao poder prometendo fazer melhor que os antecessores corruptos, se
tornaram tão propenso à corrupção como todos os outros.
No
entanto, o impeachment de Dilma traz consigo duas ironias, destaca o Sueddeutsche: Dilma é
uma das poucas políticas de alto escalão do país contra a qual não há acusações
concretas de corrupção; e justamente o impeachment pode acabar por fortalecer o PT no
futuro.
“Dilma falou repetidamente de
um ‘golpe parlamentar’.
Com isso, a estratégia de argumentação do PT para a próxima campanha eleitoral
já está definida. Lula voltará a se candidatar […] – hoje o político mais
popular e impopular do Brasil”, afirma. “Pode ser que com a destituição do
governo do PT comece, ao mesmo tempo, o renascimento do partido”, conclui.
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