Retirada
americana da Síria deve aumentar pressão migratória
Ao retirar suas tropas do norte da
Síria, EUA abandonam aliados curdos da milícia YPG, e Turquia ameaça uma
ofensiva. Além de mais violência, há temores na UE de um ressurgimento do
"Estado Islâmico" e mais refugiados.
Veículos militares turcos patrulham
norte da Síria
O
presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, anunciou no último sábado (05/10) o que
já ameaçava há meses: a Turquia realizará uma ofensiva na Síria com tropas
aéreas e terrestres O objetivo é estabelecer uma zona de segurança no norte do
país vizinho, ao longo da fronteira com a Turquia.
Entre
outras coisas, essa investida tem o objetivo de fazer recuar a aliança rebelde
das Forças Democráticas da Síria (SDF), liderada pela milícia curda Unidades de
Proteção Popular (YPG). Ancara vê nos curdos uma ameaça à segurança nacional.
Para
Washington, no entanto, a milícia YPG é um parceiro importante na região,
juntos conseguiram derrotar o autointitulado "Estado Islâmico" (EI).
Sem sucesso, os EUA tentaram encontrar uma solução de segurança conjunta com a
Turquia para a área fronteiriça, considerando ao mesmo tempo os interesses das
milícias curdas.
Na
segunda-feira de manhã, o SDF confirmou que a retirada das tropas dos EUA se
iniciara, sem aviso. A Casa Branca comunicou no domingo que não
defenderia seus antigos aliados contra a invasão turca. A decisão provocou
inúmeras reações críticas, dentro e fora dos Estados Unidos, acusando Donald
Trump de deixar os aliados curdos à mercê do Exército turco.
Nesta
terça-feira, Trump tentou acalmar os ânimos, dizendo que não abandonará os
curdos. "Estamos saindo da Síria, mas não abandonamos os curdos, que são
pessoas especiais e maravilhosos combatentes", escreveu o presidente
americano em sua conta pessoal no Twitter.
Trump
prometeu que os EUA continuarão a ajudar as milícias curdas
"financeiramente e com armas", respondendo, dessa forma, a críticas
que surgiram do seu próprio Partido Republicano, que o acusam de estar deixando
de proteger aliados que foram valiosos na luta contra o terrorismo.
Ofensiva
turca
A
investida do presidente turco pode ter consequências catastróficas para muito
além da região. Consta que dezenas de milhares de apoiadores e combatentes do
EI se encontram em campos curdos no norte da Síria.
"Uma
das maiores ameaças é prisioneiros do EI do norte da Síria se estabelecerem no
Iraque, o que afeta diretamente nossos interesses de segurança", disse à
DW o parlamentar alemão Roderich Kiesewetter. Como muitos na UE, ele teme que
os EUA acabem fazendo o jogo do grupo terrorista islâmico, caso se retirem da
região e a Turquia assuma o poder.
Por
conseguinte, Bruxelas está preocupada com os desdobramentos atuais. A porta-voz
da Comissão Europeia Maja Kocijačič afirmou que, apesar das preocupações
legítimas de segurança em relação à Turquia, a União Europeia continua a apoiar
a integridade territorial do Estado sírio. Assim, o bloco europeu não considera
justificada uma ofensiva militar turca.
"Os
novos combates no nordeste da Síria não vão apenas agravar o sofrimento da
população civil e levam à fuga, mas também prejudicar o processo político que
estamos apoiando", comentou Kocijačič.
Mil soldados americanos devem ser
retirados do norte da Síria
Refugiados
em foco
Julien
Barnes-Dacey, do think tank Conselho Europeu de Relações
Exteriores (ECFR), aponta que a Turquia não tem nenhum plano para lidar com a
ameaça de um recrudescimento do EI. Sua prioridade é manter os curdos sob
controle e fazê-los recuar.
Consta
que nos campos de prisioneiros vigiados pelos curdos se encontram milhares de
combatentes do EI provenientes de Estados europeus como a Alemanha. As
exigências dos EUA de repatriá-los e levá-los à Justiça em seus países de
origem não foram levadas a sério.
Segundo
Barnes-Dacey, essas nações deixaram de assumir a responsabilidade por seus
cidadãos, e "se essa região voltar a afundar num conflito, tudo poderá
acontecer em relação aos prisioneiros do EI".
Além
das preocupações de segurança e da disputa pela influência na região
fronteiriça, a situação dos refugiados na Turquia vai, provavelmente,
desempenhar um papel crucial na estratégia do Exército turco. Desde o início da
guerra civil cerca de 3,6 milhões de deslocados sírios fugiram para a
Turquia.
No
início se vivenciava a cultura de boas-vindas, porém hoje o clima é outro no
país. Erdogan anunciou agora que vai transferir os refugiados sírios para a
zona de segurança planejada nos territórios do norte da Síria,
possibilitando-lhes, assim, o retorno à terra natal.
Críticos
como a eurodeputada Özlem Alev Demirel, do partido A Esquerda, acusam o
presidente turco de seguir esse passo apenas por interesses de política
externa: seu objetivo seria destruir o governo autônomo democrático liderado
pelos curdos. "Com a invasão, bem como com a realocação de refugiados
sírios, pretende-se ganhar a maior influência possível na reorganização da
Síria", explica a parlamentar europeia.
No
entanto, novos combates no norte da Síria também podem ter o efeito inverso,
levando mais cidadãos a tentarem deixar o país. Desde o acordo UE-Turquia de
2016, Ancara assumiu a tarefa de impedir que os refugiados prossigam sua viagem
em direção à UE. Se a ofensiva militar turca desencadear uma nova onda
migratória, o número de refugiados poderá aumentar, de início apenas na Turquia.
Mas em seguida a pressão migratória também deverá aumentar na Europa.
Milhares de apoiadores do EI se
encontram em campos controlados por curdos na Síria
Durante
meses, a situação no norte da Síria criou tensões entre a Turquia e os EUA, que
são parceiros da Organização no Tratado do Atlântico Norte (Otan). Ancara
classifica a milícia YPG como organização terrorista, Washington a apoiou
militarmente. A situação compromete as relações entre os dois países, mas no
momento ainda não se trata de um caso para a Otan, mas sim para os respectivos
governos, afirmou um porta-voz da aliança atlântica consultado pela DW.
Com
a retirada dos americanos, a tensão na região deverá continuar. O presidente
dos EUA, Donald Trump, anunciou que puniria a Turquia se ela violasse os
interesses americanos com a invasão: "Destruirei completamente a economia
turca", tuitou na noite de segunda-feira.
Nesta
terça-feira, o presidente americano aproveitou o seu tuíte sobre os curdos para
lembrar a relação que os EUA mantêm com a Turquia, membro da NATO, dizendo que
"é muito boa", apesar de, na segunda-feira, ter ameaçado
"destruir completamente a economia" desse país, se este fizesse
alguma coisa "que vá para além dos limites", referindo-se à intenção
de ataque aos curdos na Síria.
Não
se sabe se o americano vai transformar essas palavras em ações. Mas uma coisa é
certa: se o "Estado Islâmico" voltar a ganhar influência no contexto
da ofensiva militar turca, esse conflito não poderá ser resolvido apenas por
Washington e Ancara.
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